Apesar da pressão de anos de sanções ocidentais e de protestos internos no Irão, a UE deve esperar não muitas mudanças no diálogo com Masoud Pezeshkian, afirma um analista entrevistado pela Euronews. O candidato reformista venceu as eleições presidenciais contra Saeed Jalili, da linha mais dura.
Masoud Pezeshkian promete fomentar o diálogo com as potências ocidentais, mas não pretende mudanças radicais na teocracia xiita, governada pelo líder supremo, o ayatollah Ali Khamenei. Para provar esse ponto, o cirurgião cardíaco e legislador de longa data foi até ao mausoléu do falecido ayatollah Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979, para celebrar a vitória.
Foi uma decisão simbólica do homem que obteve 16,3 milhões de votos no dia 5 de julho, contra 13,5 milhões de Saeed Jalili, de linha mais dura (49,6% de participação nas eleições), e tal deve ser uma mensagem clara para o Ocidente, diz Majid Golpour, especialista em política internacional e professor na Universidade Livre de Bruxelas.
“Assim que os resultados foram publicados, o primeiro local que escolheu para fazer um anúncio público foi o túmulo do ayatollah Khomeini. Então, mais conservador que ele não se encontra no momento”, argumentou Golpour.
O académico afirma que Masoud Pezeshkian apostou numa agenda de curto prazo e para isso está disposto a “aceitar fazer certas reformas e modificações que permitam trabalhar com aqueles que não se dão tão bem com a República Islâmica Iraniana mas, também, que possam ser uma saída para a crise atual”.
A bomba atómica
Pezeshkian terá de encontrar o seu caminho num governo ainda dominado em grande parte pela linha dura, pressionado pela guerra em curso entre Israel e o Hamas, na Faixa de Gaza, e pelos receios ocidentais de que o regime de Teerão enriquecerá urânio suficiente para produzir múltiplas armas nucleares.
Para conter o programa de urânio enriquecido do regime, o Plano de Ação Conjunto Global (JOA) foi assinado em 2015, envolvendo a China, a França, a Rússia, o Reino Unido, os Estados Unidos, a Alemanha e a União Europeia (UE). Mas o acordo estagnou e as reservas de urânio enriquecido estão agora mais de 20 vezes acima do limite acordado, segundo as Nações Unidas.
A UE reiterou a sua determinação clara de que "o Irão nunca deve desenvolver ou adquirir uma arma nuclear", tal como mencionado nas conclusões do Conselho Europeu de dezembro de 2022. Além de implementar as sanções da ONU, a UE impôs as suas próprias medidas restritivas por causa das actividades de proliferação nuclear do Irão.
"A República Islâmica está a um o de ter uma fábrica de bombas atómicas. Portanto, não podemos mais esperar anos e anos, como fez Josep Borrell (chefe da diplomacia da UE). A Europa deve preparar os seus vários dossiês em colaboração com os Estados Unidos da América e, claro, dos principais intervenientes na região do Médio Oriente, nomeadamente a Arábia Saudita, a Turquia, o Egipto, Israel e os países árabes que têm interesses próprios na resolução destas questões”, argumentou o professor Golpour.
Os candidatos presidenciais iranianos abordaram, durante a campanha, os possíveis cenários sobre a possibilidade do ex-presidente republicano Donald Trump vencer as eleições de novembro, tendo sido este que retirou, unilateralmente, os EUA do acordo nuclear com o Irão, em 2018.
O Irão manteve conversações indiretas com a istração do atual presidente democrata Joe Biden, embora não tenha havido nenhum movimento claro no sentido do levantamento das sanções económicas. O Departamento de Estado dos EUA classificou as eleições iranianas como “nem livres nem justas” e observou que “um número significativo de iranianos optou por não participar”.
Direitos humanos e duas guerras
A UE impôs sanções contra o Irão em resposta às suas atividades de proliferação nuclear, mas também por causa das violações dos direitos humanos. O bloco adoptou 10 pacotes nos últimos dois anos, na sequência da morte, sob custódia policial, da jovem Mahsa Amini, devido à forma como usava o lenço na cabeça, e da repressão de protestos populares massivos.
O presidente eleito prometeu maior flexibilidade na implementação da lei que exige o uso obrigatório do lenço para as mulheres, mas a UE deveria ser exigente nesta área, afirma o académico.
“Acredito que a coisa mais básica a pedir é um diálogo transparente sobre todas as violações dos direitos individuais, civis e coletivos que vemos hoje e que foram descritas em relatórios por várias instituições europeias”, disse Golpour.
“Neste sentido, a retoma das relações entre o Parlamento Europeu e a Assembleia Islâmica deve estar condicionada à abertura destes campos de liberdade”, acrescentou.
O Irão lançou o seu primeiro ataque direto a Israel em abril, após um ataque israelita a uma das suas casas diplomáticas no Líbano. Além disso, grupos de milícias armadas pelo regime de Teerão – como o Hezbollah libanês e os rebeldes Houthi do Iémen – estão envolvidos nos combates em Gaza e intensificaram os seus ataques como retaliação a Israel.
“Podemos pedir aos intervenientes regionais que façam um balanço das atividades devastadoras do terrorismo e listem os grupos terroristas que criam a fogueira da guerra regional. Acredito que este programa deve ser liderado pela Europa'', sugeriu Majid Golpour como um meio de criar caminhos para um cessar-fogo e uma paz duradoura.
A UE também sancionou o Irão por fornecer drones à Rússia, que Moscovo utiliza na sua guerra contra a Ucrânia.
"No Irão, hoje, existe um vasto movimento que exige a paz e que não aceita a agressão da Rússia na região e na Europa. Penso que a Europa deve apoiar este movimento de neutralidade e a República Islâmica, na prática, deve mostrar que não haverá entregas de mísseis, nem fábricas de mísseis para os representantes na região”, disse o analista.
O novo presidente também terá de provar se é digno de suceder ao falecido presidente Ebrahim Raisi, cuja morte, num acidente de helicóptero, em maio, desencadeou eleições antecipadas. Raisi era visto como protegido de Ali Khamenei e um potencial sucessor como líder supremo.