Três ONGs apresentaram uma queixa contra a decisão da Comissão Europeia de conceder um estatuto preferencial ao projeto de lítio da Mina do Barroso, no Norte de Portugal.
Três organizações não-governamentais (ONG) pediram à Comissão Europeia que reavalie a decisão de classificar a mina de lítio a céu aberto, em Boticas, como projeto estratégico, considerando que "não avaliou corretamente" os riscos ambientais e sociais.
A associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB), a MiningWatch Portugal e a ClientEarth defendem, em comunicado enviado às redações esta quinta-feira, que a Comissão Europeia "não avaliou corretamente" os riscos ambientais e sociais da mina do Barroso antes de, em março, lhe conceder um "estatuto preferencial" ao abrigo do Regulamento das Matérias-Primas Críticas.
"Isto acontece apesar de provas de que o projeto pode ameaçar os recursos hídricos locais, prejudicar a biodiversidade e impactar as práticas agrícolas que sustentam a comunidade de Covas do Barroso", denunciam no comunicado.
A mina de lítio, proposta pela Savannah para Covas do Barroso, em Boticas, distrito de Vila Real, obteve uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) condicionada em 2023 e a empresa prevê iniciar a exploração em 2027, apesar da oposição de comunidades locais e especialistas.
"Esta mina representa uma séria ameaça a um ecossistema frágil e a uma região com uma herança cultural única. E a comunidade que aqui vive tem manifestado consistentemente a sua oposição. A Comissão Europeia não pode permitir que a transição verde seja construída com base em danos ambientais e injustiça social", afirma Ilze Tralmaka, advogada da ClientEarth, citada no comunicado.
Entre as principais preocupações reveladas pelas ONGs sobre o projeto está "o design inseguro de armazenamento de rejeitos do projeto, que segundo provas apresentadas por especialistas, poderá resultar num colapso catastrófico durante períodos de chuva intensa, contaminando o sistema do rio Douro", bem como as fontes de água propostas para a mina que "foram consideradas inviáveis, e a aprovação do local não cumpre as condições ambientais necessárias".
"Classificar este projeto como 'estratégico' serve apenas para justificar a degradação ambiental e os prejuízos para as comunidades locais, ignorando a incerteza económica do lítio e a contínua incapacidade da Europa em desenvolver uma cadeia de valor coerente para baterias", acrescentou Nik Völker, da MiningWatch Portugal.
Para o ambientalista, "transformar as periferias europeias em zonas de sacrifício, sem planeamento claro, imparcialidade ou responsabilização na execução da transição verde" abre um "precedente perigoso".
No comunicado lê-se que os residentes locais há muito alertam que o projeto põe em risco não só as suas terras, mas também os seus meios de subsistência. "As pessoas aqui dependem de água limpa de nascentes e rios: para beber, para a agricultura e para o gado. Se essa água se tornar escassa ou contaminada, o nosso modo de vida fica em risco. Para quê? Para alguns anos de lítio trocados por mais carros e um novo tipo de poluição", denuncia Catarina Alves, da Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso.
Os grupos argumentam ainda que "substituir os carros a combustão por elétricos, sem repensar o sistema de mobilidade como um todo, é uma solução falsa".
"Sustentabilidade real significa priorizar o transporte público, inverter a tendência de compra de carros maiores e SUVs, investir na reciclagem e, assim, reduzir a necessidade de nova mineração – ao mesmo tempo que se apoia, e não se marginaliza, as comunidades rurais", refere também Catarina Alves.
As ONG pedem a Bruxelas que reavalie a sua decisão e apelam a que "adote um processo rigoroso, baseado em evidências, que verifique de forma independente as alegações dos promotores e priorize projetos que realmente estejam alinhados com os objetivos de sustentabilidade da Europa".
As organizações ambientalistas têm o direito de pedir às instituições e organismos da UE – neste caso à Comissão Europeia – a revisão de uma decisão por alegada violação da legislação ambiental europeia.
A Comissão deve responder oficialmente a este pedido de revisão interna no prazo de 16 semanas, prazo que pode ser prorrogado até 22 semanas. Se os requerentes considerarem que a resposta da Comissão não resolve a infração legal, podem processar a Comissão no Tribunal de Justiça da União Europeia.